quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Como Comprar? Rock Progressivo Italiano (Parte I)


A Itália não tinha muita tradição no rock até o final dos anos 60, produzindo apenas algumas bandas de beat sem muito sucesso. Porém, durante os agitados “Anos de Chumbo”, como ficou conhecido o período dominado por partidos políticos de esquerda entre as décadas de 60 e 80 em que ocorreram muitos ataques terroristas devido a conflitos decorrentes de visões extremistas, muitos escolheram a música para expressar sua revolta contra o status quo. Diante dessa efervescência, muitos jovens passaram a tocar música clássica com uma roupagem de rock, o que foi a base para o que conhecemos por Rock Progressivo Italiano (RPI).

Existem alguns elementos que tangenciam as bandas de Rock Progressivo surgidas naquele país durante os anos 70 que nos permite tratar esse estilo como um caso à parte. Primeiramente, percebe-se a clara influência de música erudita e o uso de referências à rica e diversificada música regional, como a ópera. Muitos elementos culturais também dão contornos à sua identidade, vide as famosas interpretações repletas de dramaticidade por parte dos vocalistas. Quem ouve Banco Del Mutuo Soccorso não duvida disso. Definitivamente as teclas (hammond, moog, piano, órgão, mellotron) comandam o RPI, sendo muito comuns a presença de flautas, violinos, violoncelos, além do uso, por vezes, de instrumentos típicos como mandoloncello e clavicembalo, que dão um tempero ainda mais especial para esse movimento.

É claro que a marca registrada da língua italiana não poderia deixar de ser comentada. Embora muitos discos-chave do estilo tenham sido traduzidos para o inglês em busca de reconhecimento internacional, a língua original não deve ser desconsiderada quando se quer entender o prog italiano. Inicialmente pode causar estranheza, mas conforme a audição vai fluindo, logo percebe-se que não existe idioma mais propício para harmonizar com a alma interpretativa do gênero.

Muitas dessas bandas conseguiram se manter por muito tempo e estão ativas até hoje, porém muitas estacionaram no primeiro registro, o que torna a pesquisa por grupos desconhecidos um garimpo quase infinito. Num primeiro momento, a intenção aqui é justamente apresentar dez das melhores bandas que lançaram apenas um disco, desconsiderando álbuns que algumas colocaram no mercado décadas depois, já que a imensa maioria não manteve a formação original e são títulos que não representam a época em que as bandas surgiram, sendo inexpressivos até mesmo para os mais entusiastas. Na segunda parte da matéria, serão incluídos grandes nomes como Premiata Forneria Marconi, Le Orme, Banco Del Mutuo Soccorso, Area, entre outros que tiveram uma carreira mais prolífica.

Por enquanto, esse é o Top 10 das bandas clássicas e obscuras de um só disco em ordem cronológica:




Reale Accademia di Musica - Reale Accademia di Musica (1972)

Inicialmente chamavam-se I Fholks e chegaram a abrir shows para o Pink Floyd e Jimi Hendrix em Roma, sua cidade natal, em 1968. Após algumas alterações na formação, mudaram o nome para Reale Accademia Di Musica e fizeram um relativo sucesso na época. Lembra um pouco o Locanda Delle Fate devido às belas linhas melódicas suaves. No geral é um disco de atmosfera serena e bucólica, à exceção de Vertigine, que é um pouco mais pesada.

Em 1974, ocorreram algumas mudanças no seu line-up e serviram como banda de apoio para o cantor e compositor Adriano Monteduro, lançando um único disco que foi co-creditado ao Reale Accademia, mas que tem uma sonoridade mais puxada para o soft rock e quase não lembra o rock progressivo que faziam em 1972.




Campo di Marte – Campo Di Marte (1973)

Quando foi gravado em janeiro de 1973, fazia pelo menos dois anos que o disco tinha sido composto e ensaiado. Essa demora atrapalhou a trajetória do grupo, pois seu líder já encaminhava outros projetos devido ao desânimo com o atraso do lançamento.

Campo di Marte foi inteiramente composto pelo seu guitarrista, líder e idealizador, Enrico Rosa. Musicalmente, ele foge um pouco do padrão do estilo já que o vocal é praticamente nulo, dando ênfase ao instrumental liderado pela guitarra, o que evidencia a sonoridade puxada mais para o Hard Prog como na faixa de abertura Primo Tempo, embora belos arranjos acústicos de violão e flauta se fazem presentes. Outro destaque é o baixo palhetado do americano Richard Ursillo, que por vezes remete ao mestre Chris Squire. Fato curioso é que Ursillo quis assinar os créditos como Paul Richard,  só para ter um nome que soasse menos italiano. Esse foi o único disco do RPI a ser lançado pela major United Artists.

Com o passar dos anos o disco adquiriu o status de cult, o que fez com que Enrico reunisse o grupo para alguns shows em 2003 e deles foi extraído o ao vivo Concerto Zero, que ainda traz uma apresentação de 1972 como bônus.




Museo Rosenbach – Zarathustra (1973)


Uma das bandas mais pesadas da cena, o Museo Rosenbach não pode passar batido de jeito nenhum.  Zarathustra, música divida em cinco partes abre a obra-prima passando dos 20 minutos. Baseada no livro homônimo de Nietzsche, possui um clima bem carregado com muitas levadas de Hammond e guitarras cortantes que cativam até o último instante. As outras três músicas restantes mantém a mesma atmosfera  tensa que o torna marcante e único dentre os demais conterrâneos. Acusados de envolvimento com o fascismo devido à presença da imagem de Mussolini na colagem da capa e às letras inspiradas em Nietzsche, sumiram do mapa com medo de retaliações do regime vigente, o que torna grupo ainda mais lendário. É o favorito da casa!




De De Lind - Io Non So Da Dove Vengo e Non So Dove Mai Andrò,. Uomo E’Il Nome Che Mi Han Dato (1973)

A Mercury Records não costumava lançar bandas de RPI, mas acertou em contratar o De De Lind, pelo menos do ponto de vista artístico. Hoje o disco original é uma raridade, mas a Vinyl Magic o relançou em CD (réplica do vinil) e numa bela versão gatefold em LP. Curiosamente, o título do álbum é um dos mais longos que já vi, que traduzido quer dizer algo como “eu não sei de onde vim e não sei onde estou indo. Homem é o nome que me foi dado.”.

Quando ainda eram um sexteto, gravaram três singles inexpressivos, mas em 1973 já haviam reduzido para cinco pessoas e registraram essa bela obra. Embora Gilberto Trama toque flauta, sax e teclados, sua especialidade era mesmo o sopro, com passagens remetendo a influências óbvias ao Jethro Tull como em Smarrimento, que define bem as alternâncias de belos arranjos acústicos com partes direcionadas à guitarra. Outro destaque é a utilização do tímpano, instrumento de percussão tipicamente utilizado em orquestras, o que confere tonalidades densas em certos momentos, como logo na faixa de abertura Fuga e Morte.

Após tocar em alguns festivais em 1973 nas cidades de Roma e Nápoles, a banda se desmanchou e o vocalista Vito Paradiso arriscou uma curta carreira solo de 1978 a 1980, mas o que importa mesmo é o legado deixado pelo De De Lind como um dos melhores álbuns do estilo.




Semiramis - Dedicato a Frazz (1973)

Quem ouve não acredita que esse grande clássico foi gravado por adolescentes com idade média de 15 a 16 anos. A maturidade e complexidade das composições não correspondem ao curto tempo de vida dos italianos prodígios. Cada faixa soa de um modo diferente, mas as influências de folk, música clássica, barroca, além de alguns experimentalismos, são unânimes entre elas. O vibrafone em Uno Zoo Di Ventre torna a música sublime e a complexidade de Per Un Strada Affolataé de cair o queixo! 

Michele Zarrillo, guitarrista e principal compositor, tornou-se um cantor muito popular na Itália durante os anos 80, mas sua carreira solo destoa bastante do que fazia na década anterior. Dedicato a Frazz tem nuances originais que os diferenciam das outras bandas, sendo essencial e surpreendente a todo momento, ainda mais quando pensamos na idade de seus integrantes à época.




L' Uovo di Colombo - L' Uovo di Colombo (1973)


Surgida em Roma, essa banda registrou grandes interpretações do vocalista Toni Gionta. A parte instrumental consiste num belo trio bateria (Ruggero Stefani), baixo (Elio Volpini) e teclados (Enzo Volpini) em que o último se sobressai aos demais, com a guitarra aparecendo em algumas ocasiões, como na marcante Consiglio.  Sua maior característica são as linhas melódicas, que não chegam a ser tão complexas quando comparadas a outros exemplares do gênero, como o Maxophone, por exemplo. O que atrai no disco é a fácil assimilação de suas oito músicas, que não passam dos cinco minutos. O grupo se desmanchou pouco tempo depois de seu lançamento por falta de apoio da gravadora e seus membros foram para outras bandas. Elio Volpino formou o Etna com seus ex-companheiros do Flea (on the honey), Gionta mudou seu nome para Tony Tartini e se envolveu com o Cherry Five e Rugerro foi tocar com o Samadhi.




Biglietto Per L’Inferno – Biglieto Per L’Inferno (1974)

Esse grupo de Lucca foi um dos mais populares durante o curto período de sua existência, sendo venerado por muitos fãs na época e ainda hoje mantém sua fama para as novas gerações. Sua música é caracterizada por rápidas transições de passagens acústicas para levadas agitadas de puro Hard Progressivo, como pode ser conferido na sombria L' Amico Suicida. A banda possuía dois tecladistas, Giuseppe Banfi e Giuseppe Cossa, o que torna as linhas do instrumento muito grandiosas. Apesar do nome, eles não tinham nada de satânicos e suas letras giravam em torno de temas sociais e psicológicos. Em 2004 chegou ao mercado o sonho de consumo para os colecionadores: um box completíssimo incluindo versões remasterizadas deste clássico e de um outro disco lançado em 1992, um CD ao vivo contendo uma performance de 1974, um DVD com imagens gravadas no mesmo período, além de um encarte com 116 páginas.




Maxophone – Maxophone (1975)

Esse único e excelente disco do Maxophone tem que entrar obrigatoriamente nas prateleiras dos fãs de Prog. Mistura influências de folk como o Jethro Tull, com um toque de Gentle Giant e melodias vocais que remetem aos melhores momentos do Genesis. Em faixas como Fase, a banda se aproxima do Jazz-Rock, mostrando a característica variada que o LP possui. O ponto-chave aqui é equilíbrio entre as músicas e as mudanças de andamento, o que torna a audição bem dinâmica. Disputa no topo da lista para ser considerado o melhor álbum de todos os tempos dentro do estilo.

Para celebrar os 30 anos da obra, a BTF lançou um box contendo um CD com dez músicas, dentre elas demos, sobras de estúdio, versões alternativas e um DVD com cinco faixas ao vivo e mais 20 minutos de entrevistas.




Locanda Delle Fate - Forse Le Lucciole Non Si Amano Piu (1977)

A presença de dois guitarristas e dois tecladistas é o diferencial para suas músicas influenciadas pelo lirismo e romantismo do país de origem, construindo, seguramente, um dos álbuns mais belos e sutis do estilo.  A suavidade dos arranjos percorre todas as faixas e é difícil apontar um destaque devido à sua uniformidade, mas ficaria com a instrumental de abertura A Volte Un Instante Di Quiete e a próxima, Forse Le Lucciole Non Si Amano Più.  Infelizmente o Locanda surgiu no fim do movimento progressivo na Itália, em 1977, pois certamente teria obtido mais êxito caso tivesse despontado anos antes enquanto a cena crescia. Quem gosta de progressivo sinfônico não pode deixar ouvir!




Buon Vecchio Charlie - Buon Vecchio Charlie (1990)

Uma das maiores injustiças da história do RPI, esse álbum foi originalmente foi gravado em 1972, mas ficou na gaveta até 1990 quando foi descoberto pela pequena gravadora japonesa Melos. A banda conseguiu mostrar seu talento ainda na década de 1970, chegando receber o título de “Melhor Banda Italiana” em 1974 no conceituado festival Rome Villa Pamphili. Mesmo assim, ninguém quis contratá-los.

Guiados pela flauta e com fortes influências de música clássica com toques jazz, seu som pode ser comparado ao Collosseum, Genesis, ELP sem dever nada para esses medalhões. Possui apenas três faixas que com certeza irão agradar aos apaixonados pelo estilo. A última, All'Uomo Che Raccoglie I Cartoni, é dividida em cinco partes, mas o destaque fica com a bem-humorada faixa de abertura Venite Giù Al Fiume.


terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Dark Side Of The Prog: Yezda Urfa




O Yezda Urfa é uma pérola do rock progressivo underground que levou o estilo ao seu limite, compondo músicas extremamente complexas com arranjos que lembram muito o Yes do começo da década de 70 e o Gentle Giant, inclusive nas suas vocalizações intrincadas, como pode ser conferido na faixa Flow Guides Aren’t My Bag, aqui.

Capa da demo Boris (1975)
A história dos americanos começou no final de 1973, quando seus integrantes ainda cursavam o ensino médio. Depois mais de um ano de ensaios, shows e gravações caseiras, era hora de dar um passo adiante. Todos se reuniram nos estúdios da Universal Recording, em Chicago, e gravaram todas as faixas de Boris em apenas alguns dias. Foram prensadas 300 cópias da demo que serviria como material de divulgação. A banda enviou o primeiro registro para várias companhias, inclusive viajaram até Nova Iorque para tentar a sorte distribuindo alguns exemplares de porta em porta nas grandes gravadoras e rádios.

Porém, todo o esforço foi em vão. Em 1975 ninguém estava interessado em contratar bandas que apresentavam um som tão complexo e detalhado como o  que o Yezda possuía, já que todos estavam apostando suas fichas na Disco Music. O máximo que conseguiram foram algumas transmissões em pequenas rádios de Chicago, como a Triad e a WXRT.

Capa de Sacred Baboon (1989)


Depois do fracasso, no início de 1976 decidiram gravar um álbum chamado Sacred Baboon no Hedden West Recorders, na cidade de Schaumburg, Illinois, visando ganhar mais visibilidade. Com 75% do disco já finalizado, a Dharma Records mostrou interesse em contratá-los, marcando uma reunião em sua sede na pequena Lybertyville, um subúrbio ao norte de Chicago. Porém o contrato que lhes foi oferecido não era nada atraente: a banda teria que terminar de bancar os custos da gravação, bem como os da divulgação do disco. Depois de um tempo pensando, decidiram recusar o acordo.

Nesse segundo registro eles lapidaram algumas faixas do Boris e ainda compuseram algumas novas. Mesmo soando mais inspirado e melhor gravado do que a demo, ninguém deu atenção aos americanos novamente. Depois de mais alguns anos tocando em pequenas casas e compondo canções esparsas, em 1981 decidem por um ponto final em sua história, priorizando outros trabalhos mais rentáveis e a vida em família.

Em 1989, Boris chegou nas mãos de Peter Stoller numa loja de disco em que trabalhava. Atraído pela alta qualidade do material, levou o disco para Greg Walker, executivo da Syn-Phonic, que procurou a banda e resolveu colocar no mercado Sacred Baboon pela primeira vez, treze anos depois de engavetado. Em 2002, a mesma gravadora relançou Boris. Existe ainda um ao vivo lançado em 2010 intitulado Live Nearfest 2004, contendo um show de reunião registrado no festival prog Nearfest nos EUA.

Hoje, o Yezda Urfa permanece inativo e desconhecido para o grande público, mas faz a cabeça dos aficionados por Yes, Gentle Giant, Echolyn e progressivo dos anos 70 em geral. 

domingo, 13 de janeiro de 2013

Classic Albums: A história por trás de Sabotage




Pôster de divulgação do California Jam
Em 1974, o Black Sabbath estava exausto após a cansativa rotina de gravações e turnês ininterruptas durante anos. Tony Iommi passou por uma crise de stress durante a turnê de divulgação do Sabbath Bloody Sabbath e todos sentiram que era a hora de tirar um merecido descanso. Em suas casas, na Inglaterra, receberam um convite para tocar no California Jam, festival também encabeçado pelo Deep Purple e ELP, que ocorreria no Ontario Motor Speedway. A primeira reação da banda foi rejeitar a proposta, mas foram obrigados pelo empresário Patrick Meehan a viajar para os EUA no meio de suas férias para a apresentação. Diante das mais de 300.000 pessoas, os ingleses chegaram ao autódromo de helicóptero com toda a pompa de rockstars que haviam se tornado e não fizeram feio. Descarregando clássicos como War Pigs, Killing Yourself To Live, Children Of The Grave e Snowblind, agitaram muito o público, embora a briga de egos entre Iommi e Ozzy tenha forçado o carismático vocalista a cantar no canto do palco, enquanto o guitarrista, quase estático, se posicionava mais ao centro. Um absurdo que perdurou até a saída de Ozzy, em 1979.

Em cima do palco, o Sabbath foi profissional e fez um grande show, mas nos bastidores o ambiente com o empresário era dos piores e todos começaram a desconfiar dele. “Patrick Meehan nunca dava uma resposta direta quando perguntávamos quanto dinheiro estávamos ganhando”, reclamou Ozzy numa entrevista anos mais tarde. Geezer Butler foi mais enfático:  “Sentimos que estávamos sendo roubados.”.

A história do empresário com a banda começou em 1970, quando acharam que Jim Simpson não conseguiria mais dar conta do recado após o lançamento de dois álbuns que entraram na lista dos dez mais vendidos no Reino Unido e com sucesso repentino que os atingiu. Meehan, que era assistente do todo poderoso Don Arden, chegou para colocar a banda nas vitrolas e palcos do mundo inteiro. “No começo ele realmente elevou nosso nível. Foi quem nos levou até a América.”, relembra Iommi. Os três álbuns seguintes, Master Of Reality, Vol. 4 e Sabbath Bloody Sabbath chegaram ao Top 10 no Reino Unido e ao Top 20 nos EUA. Em 1974,  todos já possuíam carros de luxo, mansões e esbanjavam dinheiro.

Porém, desconfiados e cansados das suas atitudes autoritárias, o Sabbath decidiu demitir o empresário pouco tempo depois do California Jam. É óbvio que Patrick não iria largar uma das maiores bandas de rock do mundo tão fácil. Foram processos judiciais, inesgotáveis negociações, reuniões com advogados que atrasaram e tumultuaram as gravações do próximo disco. O título escolhido não poderia ser mais propício: Sabotage representava o sentimento de todos diante da situação. Tudo isso refletiu em sua sonoridade, como explica Tony Iommi: “Estávamos no estúdio um dia e nos tribunais ou numa reunião com os advogados no outro. Isso tornou o som um pouco mais pesado do que no Sabbath Bloody Sabbath. Minha guitarra estava mais pesada. Isso tudo veio em decorrência do nosso sentimento em relação ao negócio da música, empresários e advogados.”.

Mais uma vez, todos se reuniram no Morgan Studios, em Willesden, noroeste de Londres, e lá ficaram por quatro meses a partir de Fevereiro de 1975. Para quem gravou um álbum de estreia em três dias pela bagatela de 600 Libras, era um tempo/custo inimaginável que enlouqueceu todos. Butler definiu seu estado mental durante esse período em quatro palavras: “Preocupado, cansado, bêbado e drogado.”. 

Mike Butcher, mesmo produtor do disco anterior, foi chamado novamente. Sobre a agenda atrasada das gravações, comentou: “Chegava ao estúdio às duas da tarde, mas ninguém aparecia até umas quatro. Como o Morgan tinha um bar, era lá  que eles ficavam esperando até todos chegarem. Então, na maioria dos dias começávamos a trabalhar às nove e íamos até uma, duas da manhã do dia seguinte.”.

A bebedeira continuava dentro das salas de gravação 3 e 4  do estúdio, além da presença de notáveis quantidades de maconha e cocaína em que se afundavam. Embora alterados, todos conseguiam gravar. Butcher se lembra de apenas uma ocasião em que não puderam registrar nada: “Como tudo era gravado ao vivo, a banda sempre pedia para que Ozzy cantasse junto enquanto estivessem tocando. Mas teve somente uma única vez em que Ozzy estava desmaiado de bêbado no sofá e ninguém podia fazer nada.”.

A ideia de Iommi era lançar um álbum com uma sonoridade mais direta em oposição ao complexo disco anterior, que continha muitos elementos de rock progressivo como orquestras, experimentos e ainda contava com a presença de Rick Wakeman, tecladista do Yes. “Poderíamos ter continuado ficando mais técnicos, utilizando orquestras e tudo mais, mas queríamos fazer um disco de rock.”,  disse o guitarrista. Embora fosse essa a sua intenção, ouvindo o álbum percebe-se tons experimentais e ele soa bem variado, no geral.

O disco abre com um zumbido de amplificadores ligados e com o produtor gritando “Attack!”. Trata-se de uma piada interna entre eles, conforme Mike Butcher explica: “O Sabbath tinha uma banda de abertura que o empresário ficava gritando “Attack! Attack”  atrás deles no palco. Então eu gritei isso da sala de controle através do Tannoy.”. (N.T: Tannoy é uma marca de alto-falantes). Hole In The Sky é uma típica pedrada do Sabbath, com direito aos riffs certeiros e marcantes de Iommi e letra mais profética que Geezer já escreveu, segundo o mesmo: “O mundo ocidental estava indo contra o oriente, o buraco na camada de ozônio, o futuro com os carros. Parecia que tudo que ficava ao leste da Europa representava uma ameaça. O Japão evoluindo no mundo dos negócios, Mao dominando a China, a União Soviética com a guerra nuclear e o Oriente Médio estava uma confusão, como sempre.”.

Em contraste a uma pequena peça instrumental de violão clássico, Don’t Start (Too Late), surge um dos riffs mais pesados de todos os tempos na clássica e filosófica Symptom Of The Universe: “A música era sobre amor, destino e crença. Amor é a sintonia que nos leva adiante na vida. Morte é a cura, mas o amor nunca morre. Eu estava me sentindo religioso e tudo na minha vida parecia predestinado.”, comentou Geezer. A fúria de Iommi contra o  ex-empresário escorreu pelos seus dedos e criou essa pérola do Heavy Metal. Para aliviar a tensão, a música termina com um ritmo funky criado enquanto faziam uma jam no estúdio, adicionando um overdub de violão posteriormente.

O lado experimental do disco fica registrado na instrumental Supertzar, utilizada na abertura de muitos shows de diversas formações ao longo da carreira. Sombria como a faixa que dá nome à banda, conta com a participação do coral da English Chamber Choir, descrito por Bill Ward como “cântico demoníaco”, e com o baterista tocando os Tubular Bells, que ficaram famosos na obra Mike Oldfield incluída como tema do filme “O Exorcista”, de 1973. Segundo Ozzy, a música soa como “Deus conduzindo a trilha sonora para o fim do mundo.”.

A variação continua na pop Am I Going Insane (Radio), composta por Ozzy num moog. Ward relembra: “Oz deixou todos malucos com aquele moog, mas a música era boa. De um ponto de vista, foi como uma precursora da sua carreira solo. Sua personalidade está transbordando nela.”. O Radio incluído no nome confundiu a cabeça de muitos que acharam ser referência à música comercial, feita para as rádios, diante da sua sonoridade pop. Na verdade trata-se de uma espécie de gíria inglesa, Radio Rental, que significa “louco”. “É uma música definitivamente autobiográfica de Ozzy.”, comentou Butler.

Ainda mais autobiográfica era a letra de Ozzy para a música que fechava a bolacha, The Writ. O vocalista claramente a dirige para Patrick Meehan, “What kind of man do you think we are, Another joker who`s a rock and roll star for you, just for you” e  “A lot of promises that never come true, You’re gonna get what’s comming to you, that’s true, I hate you, Are you Satan, are you man, You’ve changed a lot since it began”, entregam as cartas sobre quem ele estava falando. A faixa tinha um efeito terapêutico para ele: “Era como ir a um psicólogo. Toda a raiva que eu tinha por Meehan acabou vazando.”. As risadas do início foram registradas por uma amigo australiano de Geezer, que foi convidado para participar enquanto estava visitando Londres.

Um mês após o término das gravações, durante a primavera de 1975, Mike Butcher foi para Nova Iorque rever a mixagem e a masterização de Sabotage. Foi nessa viagem que o produtor acrescentou ao final de The Writ um pequeno pedaço de uma canção intitulada Blow On The Jug, sem o conhecimento da banda.  O produtor explica: “Os microfones ficavam instalados por todo o estúdio. Então uma noite Ozzy e Bill estavam brincando no piano e resolvi gravar.”.  Irritado, Bill Ward conta a sua  versão da história: “É uma grande coisa idiota. É uma música de bêbados que eu e Ozzy cantávamos juntos numa van ou num avião. Sou eu tocando piano e Ozzy assoprando numa garrafa de sidra, como se fosse uma tuba.”.

Uma curiosidade fica por conta da roupa que Bill veste na foto da capa. Acreditem, a calça leg vermelha pertencia à sua mulher, como ele explica: “Eu tinha um par de jeans que estava muito sujo, então minha mulher me emprestou uma calça. Para que minhas partes íntimas não ficassem muito salientes por baixo da roupa apertada, peguei uma cueca emprestada do Ozzy porque eu também não tinha nenhuma.”. O figurino do vocalista também não é dos melhores, com sua veste tipicamente japonesa que lhe rendeu a apelido de "homo in the kimono", satirizado pelos seus companheiros. Esse visual desarmônico pode ser o reflexo de tudo que estavam passando. "É o caos personificado.", comentou Butler sobre a capa.

Sabotage foi lançado em 27 de Junho de 1975 e foi bem recebido, chegando ao sétimo lugar no Reino Unido, mas nos EUA ficou com a vigésima oitava posição, uma decepção depois de quatro discos seguidos figurando no Top 20. A Rolling Stone ficou empolgada na época e escreveu: “Sabotage não é somente o melhor desde Paranoid, mas pode ser o melhor que já lançaram.”.
                                                                                                    
O disco foi o último clássico indispensável da fase com Ozzy no grupo, visto que os próximos, Technical Ecstasy (1976) e Never Say Die! (1978), são apenas medianos e pouco inspirados. Vivendo no meio de um turbilhão de brigas judiciais, cansaço físico e mental, os ingleses conseguiram superar as adversidades e registrar uma bela obra que influenciou gerações, vide o cover de Hole In the Sky (ouça aqui) do Pantera e a versão destruidora de Symptom Of The Universe do Sepultura (ouça aqui). Recentemente, Bill Ward comentou: “Foi tão difícil para fazermos esse álbum, mas quando o ouço novamente agora... Deus, é incrível.”.