domingo, 13 de janeiro de 2013

Classic Albums: A história por trás de Sabotage




Pôster de divulgação do California Jam
Em 1974, o Black Sabbath estava exausto após a cansativa rotina de gravações e turnês ininterruptas durante anos. Tony Iommi passou por uma crise de stress durante a turnê de divulgação do Sabbath Bloody Sabbath e todos sentiram que era a hora de tirar um merecido descanso. Em suas casas, na Inglaterra, receberam um convite para tocar no California Jam, festival também encabeçado pelo Deep Purple e ELP, que ocorreria no Ontario Motor Speedway. A primeira reação da banda foi rejeitar a proposta, mas foram obrigados pelo empresário Patrick Meehan a viajar para os EUA no meio de suas férias para a apresentação. Diante das mais de 300.000 pessoas, os ingleses chegaram ao autódromo de helicóptero com toda a pompa de rockstars que haviam se tornado e não fizeram feio. Descarregando clássicos como War Pigs, Killing Yourself To Live, Children Of The Grave e Snowblind, agitaram muito o público, embora a briga de egos entre Iommi e Ozzy tenha forçado o carismático vocalista a cantar no canto do palco, enquanto o guitarrista, quase estático, se posicionava mais ao centro. Um absurdo que perdurou até a saída de Ozzy, em 1979.

Em cima do palco, o Sabbath foi profissional e fez um grande show, mas nos bastidores o ambiente com o empresário era dos piores e todos começaram a desconfiar dele. “Patrick Meehan nunca dava uma resposta direta quando perguntávamos quanto dinheiro estávamos ganhando”, reclamou Ozzy numa entrevista anos mais tarde. Geezer Butler foi mais enfático:  “Sentimos que estávamos sendo roubados.”.

A história do empresário com a banda começou em 1970, quando acharam que Jim Simpson não conseguiria mais dar conta do recado após o lançamento de dois álbuns que entraram na lista dos dez mais vendidos no Reino Unido e com sucesso repentino que os atingiu. Meehan, que era assistente do todo poderoso Don Arden, chegou para colocar a banda nas vitrolas e palcos do mundo inteiro. “No começo ele realmente elevou nosso nível. Foi quem nos levou até a América.”, relembra Iommi. Os três álbuns seguintes, Master Of Reality, Vol. 4 e Sabbath Bloody Sabbath chegaram ao Top 10 no Reino Unido e ao Top 20 nos EUA. Em 1974,  todos já possuíam carros de luxo, mansões e esbanjavam dinheiro.

Porém, desconfiados e cansados das suas atitudes autoritárias, o Sabbath decidiu demitir o empresário pouco tempo depois do California Jam. É óbvio que Patrick não iria largar uma das maiores bandas de rock do mundo tão fácil. Foram processos judiciais, inesgotáveis negociações, reuniões com advogados que atrasaram e tumultuaram as gravações do próximo disco. O título escolhido não poderia ser mais propício: Sabotage representava o sentimento de todos diante da situação. Tudo isso refletiu em sua sonoridade, como explica Tony Iommi: “Estávamos no estúdio um dia e nos tribunais ou numa reunião com os advogados no outro. Isso tornou o som um pouco mais pesado do que no Sabbath Bloody Sabbath. Minha guitarra estava mais pesada. Isso tudo veio em decorrência do nosso sentimento em relação ao negócio da música, empresários e advogados.”.

Mais uma vez, todos se reuniram no Morgan Studios, em Willesden, noroeste de Londres, e lá ficaram por quatro meses a partir de Fevereiro de 1975. Para quem gravou um álbum de estreia em três dias pela bagatela de 600 Libras, era um tempo/custo inimaginável que enlouqueceu todos. Butler definiu seu estado mental durante esse período em quatro palavras: “Preocupado, cansado, bêbado e drogado.”. 

Mike Butcher, mesmo produtor do disco anterior, foi chamado novamente. Sobre a agenda atrasada das gravações, comentou: “Chegava ao estúdio às duas da tarde, mas ninguém aparecia até umas quatro. Como o Morgan tinha um bar, era lá  que eles ficavam esperando até todos chegarem. Então, na maioria dos dias começávamos a trabalhar às nove e íamos até uma, duas da manhã do dia seguinte.”.

A bebedeira continuava dentro das salas de gravação 3 e 4  do estúdio, além da presença de notáveis quantidades de maconha e cocaína em que se afundavam. Embora alterados, todos conseguiam gravar. Butcher se lembra de apenas uma ocasião em que não puderam registrar nada: “Como tudo era gravado ao vivo, a banda sempre pedia para que Ozzy cantasse junto enquanto estivessem tocando. Mas teve somente uma única vez em que Ozzy estava desmaiado de bêbado no sofá e ninguém podia fazer nada.”.

A ideia de Iommi era lançar um álbum com uma sonoridade mais direta em oposição ao complexo disco anterior, que continha muitos elementos de rock progressivo como orquestras, experimentos e ainda contava com a presença de Rick Wakeman, tecladista do Yes. “Poderíamos ter continuado ficando mais técnicos, utilizando orquestras e tudo mais, mas queríamos fazer um disco de rock.”,  disse o guitarrista. Embora fosse essa a sua intenção, ouvindo o álbum percebe-se tons experimentais e ele soa bem variado, no geral.

O disco abre com um zumbido de amplificadores ligados e com o produtor gritando “Attack!”. Trata-se de uma piada interna entre eles, conforme Mike Butcher explica: “O Sabbath tinha uma banda de abertura que o empresário ficava gritando “Attack! Attack”  atrás deles no palco. Então eu gritei isso da sala de controle através do Tannoy.”. (N.T: Tannoy é uma marca de alto-falantes). Hole In The Sky é uma típica pedrada do Sabbath, com direito aos riffs certeiros e marcantes de Iommi e letra mais profética que Geezer já escreveu, segundo o mesmo: “O mundo ocidental estava indo contra o oriente, o buraco na camada de ozônio, o futuro com os carros. Parecia que tudo que ficava ao leste da Europa representava uma ameaça. O Japão evoluindo no mundo dos negócios, Mao dominando a China, a União Soviética com a guerra nuclear e o Oriente Médio estava uma confusão, como sempre.”.

Em contraste a uma pequena peça instrumental de violão clássico, Don’t Start (Too Late), surge um dos riffs mais pesados de todos os tempos na clássica e filosófica Symptom Of The Universe: “A música era sobre amor, destino e crença. Amor é a sintonia que nos leva adiante na vida. Morte é a cura, mas o amor nunca morre. Eu estava me sentindo religioso e tudo na minha vida parecia predestinado.”, comentou Geezer. A fúria de Iommi contra o  ex-empresário escorreu pelos seus dedos e criou essa pérola do Heavy Metal. Para aliviar a tensão, a música termina com um ritmo funky criado enquanto faziam uma jam no estúdio, adicionando um overdub de violão posteriormente.

O lado experimental do disco fica registrado na instrumental Supertzar, utilizada na abertura de muitos shows de diversas formações ao longo da carreira. Sombria como a faixa que dá nome à banda, conta com a participação do coral da English Chamber Choir, descrito por Bill Ward como “cântico demoníaco”, e com o baterista tocando os Tubular Bells, que ficaram famosos na obra Mike Oldfield incluída como tema do filme “O Exorcista”, de 1973. Segundo Ozzy, a música soa como “Deus conduzindo a trilha sonora para o fim do mundo.”.

A variação continua na pop Am I Going Insane (Radio), composta por Ozzy num moog. Ward relembra: “Oz deixou todos malucos com aquele moog, mas a música era boa. De um ponto de vista, foi como uma precursora da sua carreira solo. Sua personalidade está transbordando nela.”. O Radio incluído no nome confundiu a cabeça de muitos que acharam ser referência à música comercial, feita para as rádios, diante da sua sonoridade pop. Na verdade trata-se de uma espécie de gíria inglesa, Radio Rental, que significa “louco”. “É uma música definitivamente autobiográfica de Ozzy.”, comentou Butler.

Ainda mais autobiográfica era a letra de Ozzy para a música que fechava a bolacha, The Writ. O vocalista claramente a dirige para Patrick Meehan, “What kind of man do you think we are, Another joker who`s a rock and roll star for you, just for you” e  “A lot of promises that never come true, You’re gonna get what’s comming to you, that’s true, I hate you, Are you Satan, are you man, You’ve changed a lot since it began”, entregam as cartas sobre quem ele estava falando. A faixa tinha um efeito terapêutico para ele: “Era como ir a um psicólogo. Toda a raiva que eu tinha por Meehan acabou vazando.”. As risadas do início foram registradas por uma amigo australiano de Geezer, que foi convidado para participar enquanto estava visitando Londres.

Um mês após o término das gravações, durante a primavera de 1975, Mike Butcher foi para Nova Iorque rever a mixagem e a masterização de Sabotage. Foi nessa viagem que o produtor acrescentou ao final de The Writ um pequeno pedaço de uma canção intitulada Blow On The Jug, sem o conhecimento da banda.  O produtor explica: “Os microfones ficavam instalados por todo o estúdio. Então uma noite Ozzy e Bill estavam brincando no piano e resolvi gravar.”.  Irritado, Bill Ward conta a sua  versão da história: “É uma grande coisa idiota. É uma música de bêbados que eu e Ozzy cantávamos juntos numa van ou num avião. Sou eu tocando piano e Ozzy assoprando numa garrafa de sidra, como se fosse uma tuba.”.

Uma curiosidade fica por conta da roupa que Bill veste na foto da capa. Acreditem, a calça leg vermelha pertencia à sua mulher, como ele explica: “Eu tinha um par de jeans que estava muito sujo, então minha mulher me emprestou uma calça. Para que minhas partes íntimas não ficassem muito salientes por baixo da roupa apertada, peguei uma cueca emprestada do Ozzy porque eu também não tinha nenhuma.”. O figurino do vocalista também não é dos melhores, com sua veste tipicamente japonesa que lhe rendeu a apelido de "homo in the kimono", satirizado pelos seus companheiros. Esse visual desarmônico pode ser o reflexo de tudo que estavam passando. "É o caos personificado.", comentou Butler sobre a capa.

Sabotage foi lançado em 27 de Junho de 1975 e foi bem recebido, chegando ao sétimo lugar no Reino Unido, mas nos EUA ficou com a vigésima oitava posição, uma decepção depois de quatro discos seguidos figurando no Top 20. A Rolling Stone ficou empolgada na época e escreveu: “Sabotage não é somente o melhor desde Paranoid, mas pode ser o melhor que já lançaram.”.
                                                                                                    
O disco foi o último clássico indispensável da fase com Ozzy no grupo, visto que os próximos, Technical Ecstasy (1976) e Never Say Die! (1978), são apenas medianos e pouco inspirados. Vivendo no meio de um turbilhão de brigas judiciais, cansaço físico e mental, os ingleses conseguiram superar as adversidades e registrar uma bela obra que influenciou gerações, vide o cover de Hole In the Sky (ouça aqui) do Pantera e a versão destruidora de Symptom Of The Universe do Sepultura (ouça aqui). Recentemente, Bill Ward comentou: “Foi tão difícil para fazermos esse álbum, mas quando o ouço novamente agora... Deus, é incrível.”.


segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Como Comprar? Frank Zappa




A obra de Frank Zappa é um buraco sem fundo que sempre estamos dispostos a mergulhar. São mais de 60 lançamentos oficiais, fora as coletâneas, discos ao vivo, bootlegs, dvds, boxes, o que torna sua carreira um objeto de estudo para muitos fanáticos, inclusive para este que vos fala. O problema que surge diante da extensa discografia é por onde começar. Diante de tal questão, resolvi propor um guia de compras incluindo discos de estúdio e ao vivo que são essenciais para aqueles que queiram se aventurar pela vasta obra do gênio. Primeiramente, pensei em escolher cinco clássicos, mas vi que era impossível. Decidi então pinçar dez discos e ainda assim deixei de fora álbuns que considero marcantes em sua carreira, cogitando um top 20, mas como é um guia para iniciantes, aqui vão os dez mais, em ordem cronológica, para quem se interessar por Zappa:



Freak Out! (1966)

Inovador em tudo que o engloba, o primeiro disco do Mothers Of Invention é uma demonstração de atitude acima de tudo! Quem mais teria coragem de lançar um disco de estreia duplo e conceitual em 1966? Suas letras giravam em torno de uma crítica bem humorada à cultura e política norte-americana da época, mas ainda soa atual. Paul McCartney disse certa vez que Sgt. Peppers era o Freak Out! dos Beatles, sendo sua maior inspiração musical.



We`re Only In It For The Money (1968)

Zappa não estava nem aí para o que os Beatles pensavam sobre sua música, tanto que os satirizou logo na capa deste genial álbum de 1968. Por meio de um rock experimental, os Mothers tiraram sarro da cultura flower power, apologia às drogas (por mais estranho que pareça, Zappa sempre foi careta), Beatles, alienação juvenil e tudo que envolvia aquela geração de hippies. Frank ligou para McCartney pedindo autorização para fazer uma paródia de Sgt. Peppers na capa do novo LP. O Beatle disse que esse era um problema que os empresários deveriam resolver, o que enfureceu Zappa, respondendo que o artista é quem deve dizer aos empresários o que fazer. Temendo um processo judicial, a solução encontrada foi inverter a capa, colocando-a do lado de dentro com o encarte do lado de fora.



Hot Rats (1969)

Disco solo gravado após a dissolução do Mothers Of Invention, é praticamente instrumental (Captain Beefheart faz uma pequena aparição em Willie the Pimp). Voltado para o Jazz-Rock, marcou início de uma nova fase em sua carreira, distanciando-se da sonoridade dos primeiros álbuns e o colocando no mundo dos virtuosos.



The Grand Wazoo (1972)

Gravado com uma banda gigantesca, sua sonoridade poderia ser classificada como um Jazz-Rock interpretado por uma big band. De certa forma, representa uma evolução de Hot Rats, recheado de composições complexas e inovadoras que levam o ouvinte até onde a imaginação de Zappa deixar.



Apostrophe (‘) (1974)

É um dos discos mais acessíveis e fáceis de ouvir em toda sua carreira, sendo uma boa porta de entrada para sua discografia. Composto de músicas curtas que misturam seu típico senso de humor com letras bizarras à melodias cativantes, permanece até hoje como o seu álbum mais bem sucedido comercialmente nos EUA. Jean-Luc Ponty e Jack Bruce engrandecem ainda mais a bolacha. 



One Size Fits All (1975)

Para muitos, esse figuraria fácil num Top 3 de toda discografia, possuindo uma de suas músicas mais representativas, Inca Roads. Ao longo do disco, Zappa não economiza nos solos e se supera como instrumentista e compositor. Tudo o que você deseja ouvir num belo álbum dele, encontrará aqui.



Zoot Allures (1976)

The Torture Never Stops já valeria a aquisição! Essa música gruda na cabeça e seus quase dez minutos poderiam ser transformados em vinte e ninguém iria reclamar.  Zappa sussurrando no seu ouvido enquanto toca guitarra, baixo e teclado não tem preço. Além dessa faixa, o disco ainda apresenta Black Napkins, de longe um de seus melhores solos, sendo gravado originalmente ao vivo em Osaka, Japão, naquele mesmo ano e foi editada  para o álbum de estúdio.



Zappa In New York (1978)

Essencial para entender toda a loucura que era uma apresentação ao vivo do gênio. Trata-se de uma compilação de shows realizados em Nova Iorque no final de 1976 que capturam com maestria toda a genialidade musical e o humor de Frank Zappa em cima do palco.




Joe`s Garage Act I, II & III (1979)

Excelente ópera-rock lançada originalmente separada num disco simples (Act I) e um duplo (Act II & III), que foi remasterizada e relançada num box triplo em 1987. Com exceção de Watermelon In Easter Hay, outra grande atuação do mestre, todas os solos de guitarra foram gravados originalmente ao vivo e editados com overdubs no estúdio.



You Can’t Do That On Stage Anymore, Vol. 2 (1988)

O melhor da série de seis discos You Can’t Do That On Stage Anymore, esse segundo volume registra uma performance ao vivo em 22 de Setembro de 1974 em Helsinki, Finlândia. O mais interessante é perceber como os andamentos das músicas ficaram ainda mais rápidos quando comparados ao Roxy & Elsewhere, outro ao vivo lançado no mesmo ano desse show em Helsinki, resultado de muita estrada nas costas dessa formação clássica que o acompanhava na época.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Classic Albums: A história por trás de Pronounced Leh-Nérd'Skin-Nérd




Al Kooper, experiente e respeitável produtor, compositor e parceiro de Bob Dylan, Stephen Stills, entre outros, definitivamente mudou para sempre a história dos rapazes de Jacksonville, Flórida.  Em 1972, o Lynyrd Skynyrd tocava em qualquer espelunca que oferecesse um oportunidade para eles se apresentarem. Graças ao empresário Alan Walden, irmão de Phil Walden e co-proprietário da Capricorn Records, eles conseguiram uma temporada de seis datas no Funochio`s, o bar mais barra pesada de Atlanta, onde o vocalista Ronnie Van Zant relatou que ocorriam no mínimo duas brigas por noite e pelo menos um tiroteio por semana. Mas eles não tinham escolha: “Não estávamos atrás de confusão, mas você tinha que entrar numa briga se quisesse sair de lá vivo. Depois que tocávamos no Funochio’s, voltávamos para Florida para ensaiarmos um novo show para a próxima vez em que nos chamássemos por lá. Alguns membros da banda tinham empregos de meio período, como entregador de flores, por exemplo, só para continuarmos os ensaios. Todos saímos da escola para nos tornarmos profissionais, então sabíamos que não importava o quão difícil fosse, deveríamos insistir para que desse certo, caso contrário não seríamos nada mais que colhedores de algodão”, explica Ronnie.

Al Kooper
É nessa pequena temporada no Funochio’s que Al Kooper entra em cena. O produtor estava em Atlanta trabalhando na gravação de músicas para sua banda de apoio na época, Frankie and Johnny. No tempo livre, Kooper resolveu visitar o bar de um amigo de infância e lá viu o Lynyrd pela primeira vez em cima do palco e relembra: “Na primeira noite curti I Ain`t the One, na segunda adorei Gimme Three Steps e lá pela quarta estava tocando no palco com eles. Na quinta ofereci o contrato da gravadora.”.

Na época, Al já tinha convencido os executivos da MCA a bancarem a Sounds Of The South, sua gravadora e mais nova empreitada que tinha como objetivo competir com a Capricorn Records e lançar todas aquelas bandas maravilhosas que ele assistia ao vivo pelo sul dos EUA. Na visão de Kooper, o Lynyrd era o seu Allman Brothers, uma joia na coroa do Southern Rock. A banda, que não tinha nada a perder, aceitou o acordo.

Enquanto faziam os ajustes do contrato, o baixista Leon Wilkeson, que tinha 20 anos e fazia parte do grupo há seis meses, resolveu pular fora do barco. “Eu saí porque tinha uma ideia assombrosa sobre ter fama, ser reconhecido. Eu senti que não estava preparado para o sucesso.”, explicou Leon.

Para ocupar o posto de baixista, Ronnie procurou Ed King, guitarrista do Strawbery Alarm Clock, com quem havia feito uma turnê conjunta em 1970 pela Flórida. Ed havia ficado impressionado com o Lynyrd e disse ao vocalista que caso sobrasse uma vaga, que o chamasse imediantamente para preenchê-la. Depois de muita procura, Ed foi encontrado tocando numa banda de bar em Greenville, Carolina do Norte. Com a formação completa, rumaram para Green Cove Springs, cidade próxima a Jacksonville onde tinham uma pequena cabine de ensaio apelidada “Hell House” devido ao calor infernal que fazia lá dentro. Ali eles ficaram ensaiando doze horas por dia durante três meses.

Em março de 1973, a banda finalmente assinou o contrato com a Sounds Of The South Records e receberam um adiantamento de nove mil dólares em notas de cem, que utilizaram para comprar novos equipamentos. As gravações começaram no dia 27 daquele mês e na semana seguinte seis músicas já estavam prontas, sendo que as bases foram registradas em no máximo dois takes. “Todos sabiam suas partes, batida por batida, nota por nota, de olhos fechados, de trás para frente. Era como respirar, de tantos ensaios que fizemos.”, lembra o baterista Bob Burns.

A relação entre produtor e banda havia se tornado muito íntima desde aquela jam que fizeram no Funochio’s. Kooper, empolgado com as gravações, passou a opinar, compor e modificar os arranjos, como fez em I Ain’t The One e Gimme Tree Steps, além de tocar mellotron em Tuesday’s Gone e mandolin em Mississipi Kid. O Roosevelt Gook, que aparece como um dos baixistas nos créditos, na verdade é o próprio produtor, que assinou o disco sob um pseudônimo.

As letras traziam os músicos para perto dos fãs, retratando temas presentes no dia-a-dia de um cidadão comum. Musicalmente,  sua maior influência, além da óbvia música sulista, era a segunda geração do rock inglês, declaradamente o Free como principal inspiração. Essa combinação entre country e rock os aproximava muito mais do Southern Rock do que o Allman Brothers, por exemplo, de raízes blueseiras com pitadas de jazz. Vant Zant disse que em 1972 Gregg Allman chegou para ele perguntou “Você é o cara que está tentando me imitar?”. Talvez pelo fato de que Zant casou-se com Judy, uma ex-namorada de Gregg, fato é que a competição entre eles e suas respectivas bandas sempre existiu. Porém, qualquer um que ouvia as duas notava a diferença. O ABB veio antes, mas foi o Lynyrd que carregou a bandeira sulista mundo afora.

O ápice do disco era, sem dúvida, Free Bird. Relatando o fim de um relacionamento ao longo de seus dez minutos, possui um dos solos de guitarra mais marcantes da história, registrando o duelo entre Gary Rossington e Allen Collins de maneira inspirada e brilhante. A MCA insistiu, em vão, que eles fizessem uma versão de três minutos para ser lançada como single. Gary relembra: “Dissemos ‘Não nos importamos, essa música detona ao vivo, vocês podem escolher outras para a rádio’”. Recentemente, a canção foi resgatada no terceiro volume da série de jogos Rock Band como sendo a mais difícil de ser executada na guitarra, apresentando o clássico para as novas gerações.

Outra faixa que se destacava era a tocante Simple Man. Num dia qualquer, Ronnie estava em seu apartamento acompanhado de Gary Rossington, relembrando histórias de sua avó que havia acabado de falecer. O guitarrista começou a dedilhar seu violão e ambos, pensando em suas mães e avós, foram compondo uma letra baseada na ideia de uma mãe que dá conselhos ao filho, ensinando-lhe valores como a fé, humildade, amor e desapego material. Impossível não se emocionar com sua letra e melodia inspiradas pela sabedoria materna.

Leon Wilkeson, vendo que não poderia deixar a oportunidade passar em frente aos seus olhos, decidiu voltar para a banda ainda em tempo de aparecer na foto da capa, e então o Lynyrd formou o trio de guitarras mais clássico de toda a história, cada um soando distintamente, com Ed King e sua Stratocaster preenchendo o espaço deixado pela Les Paul de Rossington e pela Gibson Firebird de Allen Collins. Sustentados pela cozinha precisa de Wilkeson e Robert Burns, o tecladista Billy Powel completava a formação.

Antes do disco ser lançado, Kooper convidou executivos de grandes gravadoras, dj’s, apresentadores de rádio, críticos, além de Marc Bolan do T. Rex e todo o pessoal da MCA para a grande festa de abertura da Sounds Of The South no Richard’s, em Atlanta, num domingo, 29 de Julho de 1973. Nessa ocasião, o Lynyrd, prata da casa, abriu o show com uma nova música chamada Working for MCA, em homenagem à gravadora que os contratou e que foi incluída no próximo álbum, Second Helping.

Pronounced’Leh-Nérd’Skin-Nérd, chegou às lojas em 13 de Agosto de 1973. O título ensinava a todos como pronunciar corretamente o nome da banda, já que o mesmo ficaria famoso mundialmente pouco tempo depois. Free Bird, rejeitada como single pela gravadora, tornou-se a canção mais tocada nas FMs do país em sua versão completa e o disco vendeu mais de 100.000 cópias logo de cara, com críticas positivas aparecendo em toda imprensa musical. 

Antes de todo o sucesso, a banda foi convidada pelo The Who para abrirem a turnê que fariam pela América do Norte promovendo o disco Quadrophenia. Todos ficaram surpresos e alegres com o convite, já que teriam a oportunidade de tocar diante de 20.000 pessoas numa única noite, nas maiores casas norte-americanas. A primeira data aconteceu no Cow Palace, em São Francisco e o começo não foi dos mais animadores. A plateia começou a arremessar moedas na desconhecida banda assim que eles subiram no palco. Porém, a mesma audiência pediu bis no final do show. O empresário do The Who na época, Peter Rudge, disse: “Nenhuma banda que já abriu para o Who tinha voltado ao palco para um encore”. Pouco tempo depois, Rudge tornou-se empresário do Lynyrd. Bill Curbishley, outro empresário da banda inglesa, também se espantou com os americanos: “Eles queriam ser mais loucos que Keith Moon. Queriam ser melhores e maiores que o The Who em tudo. Eles já eram loucos naturalmente, mas esse encontro com Who acendeu a chama. Isso também deu motivação e direção eles.”. Que estreia!